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20 de Abril de 2024

Brexit: 4 meses após plebiscito, britânicos ainda não sabem como será a vida fora da União Europeia

O Reino Unido busca um caminho para a traumática saída da União Europeia

Publicado por Caio Rivas
há 7 anos

O Reino Unido surpreendeu o mundo ao decidir sair da União Europeia, em um plebiscito realizado em junho, mas passados quatro meses, muitas perguntas ainda permanecem sem reposta e pouco se sabe sobre como isso vai de fato acontecer.

O resultado do plebiscito de 23 de junho revelou uma profunda divisão no país. O Brexit (palavra criada pela fusão de "Britain" e "exit", ou saída da Grã-Bretanha) recebeu 51,9% dos votos contra 48,1% pela permanência na UE. O interior da Inglaterra e o País de Gales apoiaram majoritariamente a saída da UE, enquanto Londres, Escócia e Irlanda do Norte optaram pela permanência.

Desde então, o país se debate para tentar encontrar a melhor maneira de se relacionar com seus vizinhos europeus. A economia e o controle de fronteiras são os principais temas das discussões que têm rachado partidos políticos e dividido a sociedade britânica.

A hipótese de anulação do plebiscito, defendida por muitos, se torna mais distante à medida que o tempo passa. A atual primeira-ministra britânica, Theresa May, anunciou que até março do ano que vem dará início ao processo formal de negociações para a retirada do país da União Europeia.

A BBC Brasil preparou um guia com perguntas e respostas que ajudam a explicar o que está em discussão e o que deve acontecer daqui para a frente.

Quais são as consequências mais imediatas do Brexit para o Reino Unido?

O Reino Unido perde acesso ao mercado único sem impostos nem tarifas comerciais, que é a base da economia europeia. No coração dele está o livre movimento de bens, pessoas e capitais entre os países da UE.

Embora um país possa fazer parte do mercado único e não da UE, como a Noruega, isto depende de acordos a serem assinados quando o processo formal de saída for iniciado. O que, segundo estimativas, pode ocorrer até 2019.

Além disso, países da UE poderiam vir a ser levados a "punir" o Reino Unido para desestimular outras nações do bloco que por ventura queiram seguir caminho semelhante.

Quais são as consequências mais imediatas para a UE?

O consenso até o momento é de que o mais afetado pela separação deve ser o Reino Unido. Mas analistas acreditam que também haverá consequências em outras partes da Europa.

Para a consultoria britânica Global Counsel, a UE se tornaria um parceiro comercial menos atraente em nível mundial e perderia poder globalmente.

No entanto, isso poderia ser compensado por uma maior coesão dos países restantes, já que o Reino Unido é um dos membros do bloco que mais se opõem ao aprofundamento da integração europeia.

Vários países da UE dependem em grande parte da economia britânica. É o caso da França, que exporta boa parcela da produção agrícola para o outro lado do Canal da Mancha.

Os líderes da UE não sabem o quanto a saída britânica servirá de incentivo para movimentos populistas e nacionalistas existentes nos países do bloco.

Mas todos têm o temor comum de que um possível sucesso do Brexit seja o ponto de partida que tornará real o pesadelo do fim da União Europeia.

O Reino Unido já está fora do bloco europeu?

Ainda não. O Reino Unido continua na União Europeia (UE) com acesso ao mercado único do bloco, com todos os privilégios e obrigações anteriores à votação.

Por enquanto, tudo continua como antes. As negociações para a saída do bloco só começam oficialmente quando a Grã-Bretanha acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, que estabelece um prazo de dois anos para a conclusão do processo e a saída do bloco.

A primeira-ministra Theresa May - sucessora de David Cameron, que renunciou logo depois do resultado do referendo - prometeu acionar o Artigo 50 até o fim de março de 2017, mas ainda enfrenta resistências políticas internas e até questionamentos legais.

O Brexit pode ser cancelado?

"Brexit significa Brexit", disse Theresa May quando tomou posse no dia 13 de julho, para indicar que, efetivamente, o Reino Unido não irá voltar atrás em relação à saída da UE. Mesmo sendo ela, como David Cameron, favorável a permanência do país na UE, May prometeu levar adiante o processo de separação conforme decidido pelos britânicos.

Mas, há quem acredite que o resultado do plebiscito deva ser submetido ao Parlamento para só então passar a ter valor legal e institucional. No momento, a Justiça analisa recurso submetido pelo grupo People's Challenge (Desafio do Povo), liderado por uma investidora da City londrina, alegando que o governo não pode acionar o Artigo 50 sem que o tema seja revisto pelo Parlamento - que teria poder de vetar a decisão do plebiscito.

O processo pode chegar à Câmara dos Lordes (a câmara alta do Parlamento britânico), majoritariamente contrária ao Brexit.

Em tese, os parlamentares poderiam bloquear a saída do bloco, mas analistas consideram que contrariar os eleitores seria um suicídio político, principalmente para o partido Conservador, atualmente no governo e com maioria no Parlamento.

Qual o impacto do Brexit no dia a dia da economia do Reino Unido?

Antes do referendo, vários economistas previam um impacto imediato e importante na economia do Reino Unido e na confiança do consumidor. Até agora essas previsões não se tornaram realidade.

O setor de serviços cresceu 0,4% em julho, bem mais do que se esperava. Isso mostraria que os consumidores continuaram gastando normalmente depois da votação.

Mas houve uma redução da confiança entre os pequenos empresários. Uma pesquisa da federação britânica das Pequenas Empresas mostrou, pela primeira vez em quatro anos, pessimismo quanto ao futuro pós Brexit.

A inflação aumentou para 0,6% em julho e se manteve assim em agosto. O Serviço Nacional de Estatísticas afirma que há poucos sinais de que isso vá se refletir nos preços ao consumidor.

Além disso, o valor da libra esterlina caiu quase 20% desde o fim de junho. A moeda sofreu a maior desvalorização diária em três anos diante do euro depois que Theresa May prometeu, no início de outubro, começar o processo formal de Brexit em março de 2017.

A alteração mais visível foi o enfraquecimento da libra perante o euro e o dólar. Atualmente, uma libra está cotada a US$1,20 e nas casas de câmbio de aeroportos e pontos turísticos, um euro já vale mais do que uma libra.

A queda da libra é boa para os exportadores, mas torna as viagens ao exterior mais caras para os britânicos. Também aumenta o preço da importação de manufaturados, por exemplo.

Nesse sentido, o enfraquecimento da moeda foi agravado também pelo corte dos juros realizado em julho pelo Bank of England, o banco central britânico, de 0,5% para 0,25%.

Hard Brexit x Soft Brexit

A União Europeia é o mercado comercial mais importante para a Grã-Bretanha, recebendo em 2015, US$ 220 bilhões de exportações britânicas. Por outro lado, o país importou dos vizinhos europeus no ano passado US$ 290 bilhões (números do UK Trade Department, o Departamento de Comércio do Reino Unido).

No momento, a primeira-ministra Theresa May tenta garantir junto a União Europeia o chamado "soft Brexit" a saída negociada com a manutenção do acesso privilegiado ao mercado comum, com direito a tarifas preferenciais que facilitam e estimulam o comércio, da mesma forma que possuem Noruega e Suíça, países que não pertencem ao bloco comum europeu.

Mas ainda não estão claras que concessões os europeus vão exigir dos britânicos.

A alternativa, apelidada de "hard Brexit" seria a retirada completa da União Europeia, tirando da Grã-Bretanha os privilégios econômicos, o que tornaria o país um parceiro comercial comum, sujeito a taxas mais altas e condições mais árduas.

Com o partido governista dividido entre os que defendem um ou outro caminho, a primeira-ministra já sinalizou que sua preferência é pelo "soft Brexit", a saída amplamente negociada com a manutenção de privilégios.

Imigração e livre circulação de europeus

Junto com a economia, a questão de controle de fronteiras é, sem dúvida, o ponto mais importante da saída da Grã-Bretanha da União Europeia. E até o momento existem muito mais perguntas e dúvidas do que respostas e soluções para a questão.

Estima-se que cerca de 3,3 milhões de cidadãos europeus vivam na Grã-Bretanha, e algo em torno de 1,2 milhão de britânicos estariam vivendo em outros países da União Europeia. Até o momento, membros de ambos os contingentes desfrutam de plena liberdade de movimento entre os 28 países do bloco, tendo assegurado o direito de trabalho, onde quer que decidam permanecer.

Por estarem no centro da decisão tomada pelos que votaram pela saída da UE, o tema da imigração e a questão do emprego são talvez as mais complexas de serem resolvidas. Pelo custo político evidente, nenhuma solução avaliada até então parece resolver inteiramente as difíceis questões que se apresentam.

Os cidadãos europeus radicados na Grã-Bretanha perderão direitos de residência e trabalho? Em contrapartida o que acontecerá com os britânicos que vivem na Europa?

Até o momento estas questões continuam sem resposta, ou mesmo uma indicação de que rumo tomarão as negociações nesse sentido.

Por que o Reino Unido fez o plebiscito?

Pressionado internamente por membros de seu partido, e externamente pelo crescimento de um sentimento nacionalista no país, o então primeiro-ministro David Cameron prometeu realizar o plebiscito se o partido Conservador vencesse as eleições parlamentares de 2015, garantindo sua permanência.

Cameron acreditava que o voto pela permanência na Europa, defendido por ele, seria vencedor e com isso derrotaria seus adversários, consolidando e fortalecendo sua liderança.

A derrota inesperada lhe custou o cargo. Após a confirmação do resultado, David Cameron renunciou a liderança do Partido Conservador e em consequência ao cargo de primeiro-ministro.

Muitos dos chamados eurocéticos argumentavam que a UE tinha crescido demais nas últimas décadas, exercendo cada vez mais controle sobre a vida cotidiana dos britânicos.

As pressões aumentaram com o crescimento eleitoral do partido nacionalista Ukip, defensor da saída da UE.

Mas as origens da oposição britânica à UE remontam a tensões históricas com os vizinhos no continente. O Reino Unido, segundo historiadores, nunca abraçou uma identidade europeia como a Alemanha ou a França.

Entre novas e velhas tensões, as mais visíveis são a defesa da soberania nacional, o orgulho pela identidade britânica, a desconfiança com a burocracia de Bruxelas, o controle de fronteiras e as questões de segurança interna e defesa.

União Europeia (UE)

É a união econômica e política de 28 países. As origens remontam à Comunidade Econômica Europeia (CEE), criada em 1957.

O Reino Unido aderiu à CEE em 1973 e, dois anos depois, após renegociar suas condições, realizou um plebiscito sobre a sua permanência.

A integração foi aprovada por 67% dos eleitores. Na época, o Reino Unido sofria com o declínio industrial, inflação e greves trabalhistas. O projeto europeu era visto como benéfico para a economia.

Mas, em 1985, quando foi criada a área de Schengen, que estabelece uma fronteira comum, o Reino Unido optou por manter-se à margem continuando a estabelecer a sua própria política de imigração.

Apesar de integrar desde 1993 o mercado único e a livre circulação de bens e pessoas, o Reino Unido não adotou o euro e manteve sua própria moeda, a libra esterlina.

Como é a relação entre a UE e o Reino Unido?

Historicamente o país mantém com a UE uma relação delicada, em que centralização e controle nacional estão em constante oposição.

O tema econômico também sempre foi central nessa relação. Um dos argumentos pela separação é o de que a economia britânica atual é muito mais criativa e dinâmica que a dos anos 1970. E estas duas características seriam prejudicadas pela burocracia de Bruxelas.

Os britânicos não adotaram a moeda única europeia por não admitirem interferência externa em sua política monetária. Mesmo sem integrar a zona do euro, a Grã-Bretanha obteve proteções para a City londrina - o mais importante mercado financeiro da Europa - e ganhou o direito de determinar sua própria política de imigração e limitar os benefícios que imigrantes europeus podem obter no país.

Quem critica a saída da UE?

Os partidos Trabalhista, Liberal Democrata, Nacionalista Escocês (SNP), e o galês Plaid Dymru.

Entre os líderes estrangeiros, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi um dos críticos e acabou sendo acusado de ingerência pelos britânicos.

França e Alemanha, assim como organizações multilaterais - como o Fundo Monetário Internacional (FMI) - também preferiam que o Reino Unido permanecesse no bloco.

Quem defende o Brexit?

O defensor de primeira hora foi o partido nacionalista Ukip, que obteve 13% dos votos nas últimas eleições mas tem representação diminuta no Parlamento devido ao sistema eleitoral britânico. O ex-líder Nigel Farage mostrou-se incansável na promoção de um discurso racista e xenófobo.

Metade dos parlamentares conservadores apoiou o Brexit. Alguns trabalhistas também, descontentes com as políticas de austeridade e liberalismo econômico do bloco.

Durante a campanha que antecedeu o plebiscito, os defensores da saída propagaram o discurso sobre a retomada da soberania do Reino Unido, que consideravam perdida para a UE.

O candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, disse que o Reino Unido estará melhor fora da UE, e lamentou os efeitos da imigração na Europa. Foi a vez de Trump ser atacado por sua ingerência na crise britânica.


Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-37702329

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2 Comentários

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Ótimo artigo, bastante esclarecedor de forma geral.

Entretanto, classificar a atuação do Nigel Farage em todo esse intrincado contexto como um "incansável na promoção de um discurso racista e xenófobo" é desonestidade intelectual ou, no mínimo, preguiça por jamais ter assistido a qualquer de seus discursos no Parlamento Europeu, limitando-se a reproduzir a manchete de algum tablóide londrino irresponsável... uma pena...

Há muito ele luta pela saída do Reino Unido servindo-se dos mais variados argumentos (diferença entre o quanto o país contribui financeiramente com a União e quanto retorna na forma de fundos de coesão, perda de soberania de Londres para Bruxelas, burocracia excessiva, ingerência da União em assuntos internos britânicos, desrespeito à rejeição dos referendos constitucionais na Holanda e Franca através da consequente aprovação do Tratado de Lisboa, etc).

A questao da Imigração entrou na pauta de seu discurso apenas nos últimos anos e jamais foi tratada por ele desse modo simplista e ofensivo como descreveu o Autor... enfim, infeliz escolha de palavras justo no fim do texto... continuar lendo

Bruno Nadalin agradeço enormemente a positiva colaboração à notícia com suas respeitáveis ponderações. continuar lendo